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UROLOGIA

DOENÇAS  I  UROLOGIA RECONSTRUCTIVA E PROTÉSICA

TRAUMATÍSMOS PENIANOS E ESCROTAIS

DISFUNÇÃO ERÉCTIL

     Estima-se que aproximadamente 40% dos homens sofrem de disfunção eréctil (DE), pelo menos, ocasionalmente. A DE, ou impotência, consiste numa incapacidade em obter e/ou manter uma erecção suficientemente rígida para actividade sexual satisfactória. A erecção peniana corresponde ao efeito hidráulico de enchimento com sangue dos corpos cavernosos (estruturas tubulares dentro do pénis, alémda uretra) e a retenção desse mesmo sangue no interior destas estruturas penianas. Há vários tipos de erecções: erótica, nocturna, reflexa e farmacológica. A erecção em contexto erótico inicia-secom desejo e estimulação sexual com transmissão dessas mensagens (ou impulsos neuronais) do cérebro para os nervos do pénis.

 

Anatomia funcional peniana

     O pénis é uma estrutura, de certa forma, semelhante a um balão. Quando vazio, ambos são moles e flácidos. Quando cheios, com ar ou água no caso do balão e sangue no caso do pénis, tornam-se maiores, em volume e comprimento, e mais rígidos.

 

     Durante uma erecção, os corpos cavernosos enchem-se de sangue, levando à expansão da túnica albugínea com consequente aumento do comprimento, diâmetro e rigidez do pénis. O influxo de sangue pelas artérias é muito mais rápido e em maior quantidade que a saída do sangue pelas veias penianas, o que leva à expansão da túnica albugínea e compressão das veias e sinusoides encostados à face interna da túnica albugínea (oclusão venosa). Em resumo, a erecção ocorre porque o cérebro através de impulsos nervosos informa o pénis para segregar uma substância (óxido nítrico), que, por sua vez, vai desencadear o maior afluxo de sangue e reduzir significativamente a saída desse mesmo sangue. Por conseguinte, a causa mais frequente de disfunção eréctil é vascular!

CAUSAS

     No passado, pensava-se que a DE tinha na sua maioria dos casos uma origem psicogénica. Embora seja verdade que factores psicológicos desempenhem um papel importante, a DE está frequentemente associada a causas orgânicas, isto é, relacionada com problemas médicos reais, tais como:

1) hormonais,

2) neurológicos e, principalmente,

3) vasculares. A hipertensão arterial (HTA), a diabetes mellitus e a aterosclerose são 

    as doenças mais frequentemente associadas com DE.

           

Hormonais

     A testosterona (T) é uma hormona masculina produzida na sua maioria pelos testículos. Por sua vez, esta produção testicular de T é estimulada por outra hormona (LH) produzida pelo cérebro (glândula hipófise). Em casos de deficiência de T na circulação sanguínea (que pode ser avaliada através de um doseamento sanguíneo), pode ocorrer redução ou perda da libido (desejo sexual) e DE. Um baixo nível de T sanguínea pode ter origem na glândula hipófise ou no testículo por produção deficiente da mesma, muitas vezes associada a atrofia testicular. Em casos raros, a diminuição de T deve-se a um tumor da hipófise. Deve, no entanto, realçar-se que esta é uma causa muito rara de DE. O tratamento da DE associada à redução da T sanguínea faz-se com suplemento de T.

 

Neurológicas

     Neste sector incluem-se a diabetes, lesão vertebro-medular e outras situações neurológicas (ex.: esclerose múltipla). A prostatectomia radical (aberta, laparoscópica ou robótica) é uma das causas mais frequentes actualmente, assim como a radioterapia. Os nervos erectores cursam ao longo, e muito próximo, da próstata e podem ser lesados durante estes tratamentos.

Vasculares

     Causa muito frequente de DE, podendo a DE ser um sinal premonitório, ou inclusive um sintoma, de doença cardíaca.

           

Miscelânea

     Outras causas de DE incluem medicamentos (antidepressivos, antihipertensores, etc.) tabagismo crónico, causas psicogénicas (ansiedade de “performance”, “stress”, doenças mentais, depressão, sentimentos negativos, “surmenage”), doença de Peyronie, hipercolesterolémia (hábitos alimentares caracterizados por consumo excessivo e frequente de gorduras). O envelhecimento está associado a uma maior incidência de DE, 4 vezes mais elevada nos homens a partir dos 60 anos, quando comparados com homens na faixa dos 40 anos.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICO

     A avaliação de um doente com DE inclui uma história clínica detalhada e exame físico, de modo a identificar factores contribuintes. Deve efectuar-se doseamento da T sanguínea. Existem variadíssimos exames para avaliar a função eréctil, incluindo ecografia Doppler peniana, angiografia (arteriografia peniana na forma de subtracção digital), cavernosometria e cavernosografia de infusão dinâmica (sigla anglo-saxónica, DICC), teste de tumescência e rigidez peniana nocturna (durante o sono), ou erótica (através de estimulação audiovisual com vídeos eróticos), biotesiometria peniana, reflexo bulbocavernoso (para avaliar a sensibilidade/ inervação da glande e da haste peniana) e angio-ressonância magnética peniana. Em geral, nenhum destes exames está formalmente indicado, ou é necessário, uma vez que estes exames não influenciam, na era actual, o tratamento. Para a maioria dos doentes, a abordagem mais adequada da DE consiste no tratamento menos invasivo e que seja eficaz.

TRATAMENTO MÉDICO

     De realçar que, antes de iniciar qualquer tratamento farmacológico, devem alterar-se os hábitos e estilo de vida, promovendo o exercício físico aeróbico, dieta saudável, moderação no consumo de bebidas alcoólicas, suspender tabagismo e controlar doenças subjacentes, como a diabetes, a HTA, etc..

Existem actualmente várias opções: medicação oral, medicação tópica e intrauretral, aparelhos de vácuo e injecção intracavernosa.

           

Medicção oral

     A maioria dos doentes com DE são inicialmente tratados, quer pelo médico de família, quer pelo urologista, com fármacos orais, tais como sildenafil (Viagra®), do qual já existem genéricos no mercado legalizado, vardenafil (Levitra®, tadalafil (®) e avanafil (Spedra®). Das várias possíveis contra-indicações para o uso destes medicamentos, a mais relevante é a angina de peito tratada com nitratos (ex.: Nitromint®, Flindix®, ect.). Se a medicação oral não fôr eficaz, ou bem tolerada, considerar então alternativas.

 

Medicação tópica e intrauretral

     Em geral, não existem em Portugal cremes ou pomadas legisladas para uso no tratamento da DE. Existe este tipo de produtos em países da América do Sul e Ásia. No Canadá foi aprovada, como tratamento de 1ª linha, uma mistura de alprostadil com um substância que potencia a sua absorção cutânea e que é vendida com nome comercial de Vitaros. O alprostadil intrauretral (MUSE) consiste numa pequena cápsula contendo alprostadil, que é inserida através meato uretral por meio de um aplicador plástico de uso único. Este fármaco é vasoactivo, promovendo influxo de sangue para o pénis. Os seus principais inconvenientes incluem desconforto uretral e uma erecção insuficiente numa percentagem significativa dos seus utilizadores.

           

Aparelhos de vácuo

     Também designados de bombas de vácuo, actuam mediante criação de vácuo entre o aparelho e o pénis, provocando influxo de sangue para o pénis. Pode ser usado com um anel elástico constritor colocado na base do pénis para conter o sangue no pénis durante a relação sexual. A sua vantagem é não necessitar de tratamento médico ou cirúrgico. As desvantagens são o seu carácter bastante artificial, embaraçosos e pouco prático, além de perigoso, se o doente adormecer após o acto sexual e se esquecer de remover o anel constritivo. Hoje em dia, é nossa convicção que esta opção terapêutica seja pouco utilizada, fruto da significativa quebra de popularidade.

           

Injecção intracavernosa

     Consiste na auto-injecção de um fármaco no interior do pénis, utilizando uma seringa e agulha pequena, tipo insulina. Se fôr esta a opção do doente, há uma 1ª fase de ensino e verificação de que o doente já aprendeu e domina a técnica de preparação e auto-injecção do medicamento. O fármaco, actualmente comercializado, designa-se Caverject® (alprostadil) e vem em embalagens pré-preparadas em dosagem de 10 e 20 microgramas.

     Não recebemos qualquer reembolso ou lucro com a venda de quaisquer destes produtos para tratamento médico da DE, assim como não possuimos qualquer interesse financeiro em farmácias que forneçam estes produtos, nem qualquer relação comercial, ou profissional, com empresas farmacêuticas ou fabricantes de produtos cirúrgicos e, por conseguinte, não existe nenhum conflito de interesse.

 

Revascularização peniana

     Esta cirurgia tem como objectivo melhorar o aporte sanguíneo do pénis. Envolve uma ligação ou anastomose entre a artéria epigástrica inferior à artéria dorsal do pénis a nível da base do pénis e recorre a técnicas de microcirurgia vascular. É actualmente pouco utilizada, estando indicada apenas em situações de jovens que sofreram traumatismos ou acidentes de viação com fractura pélvica e lesões vasculares associadas, que reduzem significativamente o fluxo sanguíneo a um pénis aparentemente normal. Homens com DE devida a diabetes, HTA e aterosclerose, ou outras situações também associadas a doença vascular difusa, sistémica, não beneficiam desta cirurgia e, por consequência, não são candidatos à revascularização peniana.

 

Cirurgia de laqueação venosa

     A laqueação de veias do pénis foi uma das opções cirúrgicas frequentemente utilizdas no passado com o objectivo de reter sangue no interior do pénis e, deste modo, manter uma erecção. Embora tenham sido descritas várias técnicas e variantes, esta cirurgia consiste na laqueação ou remoção de veias que drenam sangue para fora dos corpos cavernosos do pénis, causando detumescência e flacidez. As suas indicações actuais, tais como as da revascularização arterial do pénis, são bastantes precisas e apenas em doentes jovens com “fuga venosa” localizada e sem evidência de factores de risco cardiovascular ou doença associada a doença vascular difusa. A taxa de sucesso a longo-prazo desta cirurgia é inferior a 50%.

 

Implantação de prótese peniana

Habitualmente, reservada como último recurso em casos de falência ou insuficiência de outras terapêuticas, está indicada em homens que não podem, ou não toleram medicação oral ou outras opções menos invasivas, ou em indivíduos nos quais estas opções não obtiveram sucesso. Em geral, a implantação de prótese peniana restabelece a função sexual com elevadas taxas de satisfação. As próteses penianas são fabricadas pela American Medical Systems (AMS) e pela Coloplast, anteriormente designada Mentor. Existem, basicamente, 2 tipos de prótese peniana:

     1) maleável ou semi-rígida, com uma variante articulável

     2) insuflável ou hidráulica (de 2 e 3 componentes).

1. Próteses  penianas maleáveis

     São 2 cilindros independentes, que são colocados no interior de cada corpo cavernosos (1 para cada corpo cavernoso). Estes cilindros dobram-se em repouso ou flacidez e endireitam-se ou rectificam-se em erecção. As vantagens deste tipo de próteses são a sua facilidade técnica de implantação e facilidade de utilização. As desvantagens são a aparência semi-rígida do pénis em flacidez e um maior risco de desconforto e erosão. Este tipo de prótese é menos escolhida, preferida, pelos doentes.

 

2. Próteses penianas insufláveis/hidráulicas

     Existem 2 tipos de próteses hidráulicas: as de 2 componentes (ex.: Ambicor® e …) e as de 3 componentes (ex.: AMS 700® e a TITAN®). A prótese de 2 componentes não contém reservatório, apenas os cilindros e a bomba-controlo. Quando se acciona o dispositivo-controlo, o líquido é transferido da bomba para os cilindros e vice-versa. A vantagem deste tipo de prótese é não haver necessidade de colocação de um balão ou reservatório. Está principalmente indicada em doentes submetidos a cirurgia abdominal, hernioplastia, cirurgia vascular, ou que representem uma contraindicação à colocação de um reservatório. Nestes casos, há urologistas que se sentem ais confortáveis com a implantação de uma prótese do tipo Ambicor®. Quando comparada com uma prótese insuflável de 3 componentes, que possui um reservatório separado, a Ambicor® é mais dura em estado flácido e menos dura quando insuflada.

     As próteses penianas hidráulicas de 3 componentes são as mais frequentemente selecionadas. Com estas próteses, os cilindros são também colocados no interior dos corpos cavernosos do pénis, o dispositivo-controlo é colocado por baixo da pele escrotal (em bolsa subdartos) e um reservatório ou balão de líquido, que é colocado adjacente à bexiga. Existem 2 modelos mais frequentemente utilizados: o modelo da AMS 700 (American Medical Systems) e o da TITAN OTR, produzido pela Coloplast, anteriormente pertencente à Mentor, que foi adquirida pela Coloplast. O seu funcionamento é muito semelhante para ambos modelos. Para desenvolver uma erecção (encher a prótese), carrega-se na bomba-controlo várias vezes, causando uma transferência de líquido do reservatório para os cilindros, resutando em rigidez destes e, consequentemente, do pénis. Para desinsuflar (esvaziar) os cilindros e, deste modo, voltar ao estado de flacidez, carrega-se numa válvula ou botão na bomba-controlo, que permite o regresso do líquido dos cilindros para o reservatório. Estes 2 modelos são, em geral, semelhantes no aspecto e funcionamento. No entanto, existem diferenças importantes.  

     Os cilindros Titan são constituídos por um elastómero de silicone sólido, designado Bioflex, caracterizados por um revestimento hidrofílico, isto é, quando são imersas em líquidp contendo antibiótico antes da sua implantação, o antibiótico adere ao exterior do cilindro, prevenindo potenciais infecções. A prótese da AMS é revestida, de fábrica, com antibiótico, sendo este processo designado Inibizone.

 

(Colocar uma figura com prótese Inibizone)

 

     Não é possível determinar qual destes produtos é melhor. A decisão depende muitas vezes da opção do urologista, ou do preço dos produtos, ou da relação comercial (consultor) com uma determinada empresa, o que, sendo legalmente possível, deve ser explicitamente anunciada.

           

Cirurgia de implantação de prótese peniana

     Esta cirurgia pode ser efectuada sob anestesia loco-regional ou geral. É nossa preferência a anestesia geral. O doente inicia profilaxia antibiótica endovenosa antes da cirurgia e mantém-na por mais 1-2 dias no período pós-operatório.

Existem 2 abordagens:

1) infrapúbica (incisão efectuada a partir da base superior do pénis, extendendo-se para cima no abdómen) e 2) abordagem penoescrotal (incisão efectuada na junção do pénis com a região escrotal). Existem vantagens e desvantagens para qualquer uma delas. Na abordagem infrapúbica, há o risco de lesão de nervos e vasos sanguíneos responsáveis pela irrigação e sensibilidade do pénis, respectivamente. Contudo, com esta abordagem evita-se a colocação cega do reservatório, como sucede com a abordagem penoescrotal. No entanto, em ambas abordagens a cicatriz da incisão é na maioria das vezes indelével e cosmeticamente aceitável.

 

Complicações da implantação de prótese peniana

     Durante as cirurgias, as potenciais complicações incluem: a perfuração proximal dos corpos cavernosos, cruzamento cavernoso dos cilindros, complicações associadas a menor experiência cirúrgica, mas facilmente corrigíveis sem consequências de maior relevância, e a perfuração uretral, mais complexa de corrigir e geralmente abortando a cirurgia, de modo a prevenir infecção protésica. Outras complicações possíveis e a longo prazo incluem dor crónica, erosão e disfunção, ou avaria, mecânica.

 

Cirurgia de reimplantação protésica e de casos complexos

     A implantação da prótese peniana é uma cirurgia frequentemente efectuada por urologistas gerais em variados tipos de instituições de natureza terciária ou não.  

     Contudo, em outros países, em caso de necessidade de revisão cirúrgica, ou em casos associados a fibrose marcada dos corpos cavernosos resultante de priapismo (erecção patológica, prolongada, habitualmente dolorosa e não associada a contexto erótico) ou em casos de fibrose associada a implantação prévia e subsequente remoção devido a infecção, estes doentes são frequentemente referenciados para centros, onde existe maior experiência com este tipo de cirurgia. As causas mais frequentes de revisão cirúrgica são: binómio infecção-erosão, incorrecta colocação dos cilindros, levando a deformação ou abaulamento peniano, dilatação aneurismática de parte do cilindro, avaria mecânica de prótese hidráulica e fibrose intracavernosa após priapismo ou remoção da prótese peniana previamente implantada. Embora seja possível, e a tentativa seja legítima e honesta, resgatar uma prótese peniana infectada, ou em erosão, através de limpeza cirúrgica meticulosa, reposicionamento da prótese, irrigação copiosa com solução antibiótica e protocolos de hidratação e antibioterapia sistémica (endovenosa), a maioria dos casos de infecção-erosão são abordados com remoção total (de todos componentes) da prótese. Nas situações de deformação e avaria mecânica a prótese, recomenda-se a remoção integral da prótese e a sua substituição. 

     Em casos mais complexos de intensa fibrose dos corpos cavernosos, há necessidade de recurso a ressecção da fibrose, uso de de dilatadores especiais (cavernótomos de Carrion–Rosselló), ou efectuadas corporotomias alargadas e eventual corporplastias com enxerto de material sintético ou biológico. Este desafio cirúrgico deve ser reservado apenas para centros e cirurgiões com experiência.

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